sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Quem te viu, quem te vê - das dificuldades de se assumir alguma coisa

Eu sempre achei o mundo injusto pra caramba no tocante às relações de gênero. Porém, o fato de me considerar abertamente uma feminista é deveras recente. Meu feminismo era algo que passava batido, por vezes até despercebido, por amigxs e familiarxs mais próximos de mim. Até que veio o Ativismo de Sofá.  

“Quem te viu, quem te vê”. A não ser que você tenha sido sempre uma pessoa politizada e engajada em causas sociais diversas, vai chegar um momento em que você vai ter que ouvir essa frase, ou pelo menos algo parecido com isso. Uma frase de duplo sentido, mas que, pelo menos no meu caso, explicita uma crítica nada fofinha.

Não é de hoje que tenho encontrado amigxs da minha convivência antiga, pré-feminista, pré-Índia, pré-cabelo-sem-alisante, que se assustam com a minha “mudança”. Nossa, você era tão certinha, nunca imaginei que viraria feminista. Porque né, “virar” feminista, na cabeça das pessoas, é algo bem parecido a se tornar uma criminosa ou, na melhor das hipóteses, uma pecadora.

O povo parece ignorar um fato fundamental do desenvolvimento humanx: as pessoas mudam. Oh wait. Eu acho que as pessoas até aceitam mudanças, desde que estejam dentro do escopo de previsibilidade delas. Um exemplo? Galere do ateísmo. Ninguém questiona a mudança/arrependimento de uma pessoa que mata, rouba e faz visitas constantes a unidades prisionais diversas do país. Essa pessoa se transformou e agora é vista como “do bem”. Agora, se alguém resolve sair do armário com relação ao ateísmo, a sociedade passa não somente a discriminá-lx, como também a relacioná-lx diretamente ao mal. Mesmo que ela tenha uma ficha criminal indelevelmente limpa.

Como eu já disse em outro texto, as pessoas não gostam de ter seu sistema de crenças afrontado. É muito fácil viver repetindo o mantra “amai o próximo” e seguir só amando e não julgando quem não te afronta. Pessoas assim não hesitam em tratar quem NÃO partilha de seus conceitos de moralidade como uma abominação. Não felizes em destratar as pessoas porque elas se atrevem a dizer o que pensam, dedicam-se a espalhar memes pelo mundo cibernético numa clara represália a quem está, apenas, tentando exercer a própria individualidade.

Exemplo de um desses memes? Ah, tem vários. Eu queria me concentrar em um que diz algo como "sua mãe sabe que você se paga de ateu no facebook?". Por dois motivos: 1. ilustra perfeitamente o que eu estou dizendo; 2. não enxerga o fato de que, no final, os pais/familiares de determinada pessoa não saberem que ela é atéia, não a torna menos genuína. Simples assim. Além do mais, tal frase ignora o contexto de opressão em que nos encontramos. Afinal, é muito fácil curtir com a cara de quem está sendo sincerx consigx mesmx, remetendo-se à velha relação de opressão e hierarquia que se estabelece dentro do contexto das famílias nucleares patriarcais. Condenar uma pessoa por ela não ter coragem de se assumir perante seus pais é, pra dizer o mínimo, um ato de violência, simbólica e institucionalizada. E isso, carxs amigxs, se estende a toda e qualquer tentativa de se assumir alguma coisa.


Pra finalizar, fica o meu recadinho pras pessoas que não acreditam em mudanças de atitudes e posições: cresçam. Parem de julgar quem se permite passar por um profundo processo de auto-conhecimento (sim, ser feminista, ou até mesmo ateu, envolve se conhecer melhor, lide com isso) e tentem, pelo menos uma vez na vida, pensar por conta própria. Lembrando que pensar é diferente de pura e simplesmente repassar memes com indiretas adiante, fikdik. 


*Texto escrito por Flávia com colaboração de Paula Mariá.

6 comentários:

  1. Em relação aos ateus do facebook, acho que o que se critica não é o fato deles serem ateus ou teístas, o que torna esse "meme" tão compartilhado pelos vários tipos de pessoas é a arrogância vinda dos tais a se julgarem "superior" por não acreditar em nenhum tipo de deus ou por acreditar, não vamos ignorar também que talvez eles não se assumam a seus pais por uma falta de autocerteza mesmo. Boa parte dessa geração primeiro fala, depois pensa. No mais, ótimo texto.

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    1. Pois é, já reparou que tudo aquilo que não se encaixa naquilo que nós esperamos acaba sendo taxado de ~arrogância~? Olha, eu não sou atéia, me acho mística-espiritualizada demais pra isso, mas de verdade, eu não sinto raiva deles não. Eu os vejo mais como pessoas que estão dizendo CHEGA aos abusos de crenças instituicionalizadas. Quando eu vejo esses memes anti-ateus no face eu fico me perguntando: será que eles são realmente arrogantes ou estão, apenas, afrontando a minha fé? E eu acho engraçada essa tendência que as pessoas têm de se colocar numa suposta posição de "neutralidade", para dizer que tanto os crentes como os ateus estão exagerando. Não, eu não sou dada a fundamentalismos. Apenas creio que, a partir do momento em que eu "acredito" em alguma coisa, não há tanta neutralidade assim em criticar ateus. Principalmente pq essas críticas geralmente dedicam boa parte de seu tempo a falar mal de ateus. E discordo de vc com relação à questão da autocerteza. Porque ninguém precisa ter certeza de nada pra se assumir alguma coisa. A vida é assim, vc pode muito bem ser ateu hoje e descobrir alguma coisa cósmica e passar a acreditar amanhã. O problema é a falta de diálogo mesmo. E obrigada pelo 'ótimo texto' :)

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    2. No que se refere à acusação de 'arrogantes' o mesmo acontece com os veganos e vegetarianos. Acho q o raciocínio da Flávia tb se aplica aqui. Quem afronta, quem me obriga a repensar minha zona de conforto é arrogante.

      Ri lendo essa frase:
      "Pra finalizar, fica o meu recadinho pras pessoas que não acreditam em mudanças de atitudes e posições: cresçam"
      Pergunta: Dentro do contexto da frase anterior, Flávia, você acha que é o caso de Sara Winter? Sabe eu tb acredito na mudança das pessoas, já fui reaça mainstream e etc. Mas você não acha q, vendo o contexto do passado de Sara (nazi, skinhead, machista, i <3 rota...) essa mudança é de se duvidar?
      Ou acha que devo crescer mais um pouquinho? rs

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    3. Precisa crescer mais um pouquinho não xD

      Então. Eu tenho preguicinha de falar da Sara. E se eu for falar qualquer coisa agora, corro o risco de ser injusta ou então de soar incoerente com aquilo que acredito. Então me limito a falar que sim, acredito na mudança dela mas que não, a mudança não foi significativa. E vou pensar mais à respeito e respondo em forma de post, ok?

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    4. oK. É q o complicado (a meu ver) no caso dela, quando perguntado ela se esquiva, diz q não entende porque tem que se definir... Aí vejo isso e fico pensando: WTF? Como assim não vê necessidade, meo deos?

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    5. Como ateia, e como se citou no texto o FB, acho engraçado alguém mencionar a arrogância. Eu tenho poucos amigos no meu perfil, uns cento e poucos, incluindo familiares e colegas de trabalho. Você consegue imaginar quantas atualizações falando de deus, jesus, alá e o cacete eu recebo por dia na minha timeline? É obrigado senhor por isso, obrigado por aquilo, só deus mesmo pra saber o que é melhor pra mim e blablabla. Vocês cristãos não acreditam que deus é onisciente e onipresente? Então não podem dizer ou pensar isso, ao invés de ficar postando no FB? Isso não é fé, é autoafirmação. Algumas pessoas "de fé" têm essa necessidade gigantesca de afirmá-la o tempo todo. E o mais engraçado é que normalmente são as pessoas que menos "seguem" os princípios cristãos, que são falsas, invejosas, fofoqueiras e afins. Infelizmente eu tenho que aturar algumas pessoas destas na minha família e no FB, mas felizmente existe um botãozinho que permite não receber as atualizações.
      O engraçado é que meus amigos ateus (felizmente tenho vários) pouquíssimas vezes postam algo sobre seu ateísmo, só tenho um que é mais "ativo" - ou seja, quase uma vez por dia compartilha uma postagem da ATEA, o que é bem menos que os amigos religiosos costumam postar por dia sobre deus.
      Em tempo, a pessoa que eu conheço que mais entende de bíblia, que mais vive conforme os ensinamentos, é uma grande amiga testemunha de Jeová, e veja só que coincidência, é a mais tolerante de todas. Consigo discutir religião com ela numa boa, e ela sempre tem argumentos pra sustentar o que ela acredita, sem, no entanto tentar me converter. E é a que menos fica falando eu deus por aí, aliás, foi só depois de um bom tempo de amizade que descobri que ela era TJ. E os TJ dedicam-se ao estudo da bíblia como não se faz em praticamente nenhuma outra religião, em que as pessoas apenas ouvem o que dizem os pastores, padres e afins, mas não leem elas mesmas e interpretam.
      Então quem será que é arrogante, você que vive afirmando a sua fé pra se mostrar superior aos outros pq vc crê, ou alguém que não crê e simplesmente se assume?

      Sofia

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