quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Cientifique-se humana

No último domingo mulheres de diversos lugares do país foram as ruas na Marcha pela Humanização do Parto. A Marcha é uma resposta a diversas atitudes dos Conselhos de Medicina do nosso país e posturas do sistema de saúde em geral que violentam os direitos das mulheres diariamente ao negá-las, entre outras coisas, o protagonismo da parturiente.

A violência obstétrica se dá por meio do desrespeito, tortura psicológica, realização de procedimentos não autorizados pela gestante, alertas desnecessários, informações falaciosas e muitas outras formas. Há uma tendência (baseada exclusivamente na falta de informação sobre o assunto) de se pensar que o movimento pela humanização do parto quer torná-lo "obrigatório". Não é isso. Nossas queixas com relação a violência sofrida se estendem as mulheres que precisavam de uma cesárea e tiveram essa negada, que pediram por medicamentos e foram negligenciadas. Todo e qualquer atento contra o direito de escolha, autonomia e necessidade de uma mulher com relação ao seu próprio corpo é uma violência brutal.


Eu já relatei aqui minha história para vocês. E basta ler os comentários para compreender a problemática desse assunto. O que não falta é gente dizendo que isso é pouco, que desejar ser bem informada, apoiada e escolher arbitrariamente a melhor forma de parir é “mimo”, que o médico sempre sabe o que é o melhor para a gestante e para o bebê e, por fim, que ao invés de eu estar reclamando deveria era estar curtindo a minha filha (!).

Essa reação é típica de quem está envolvido ou adaptado a um sistema de saúde tecnocrático. As questões emocionais e psicológicas são consideradas secundárias e desimportantes, o nascimento enquanto trabalho é envolvido em um fordismo racionalizado que desconsidera qualquer outro tipo de conhecimento que não o masculino técnico-científico. A gestação é um festival de misoginia. Uma mulher gestante tem constantemente sua voz calada em nome dessa suposta ciência (que na realidade, nada se baseia em evidências).

Enquanto a Organização Mundial da Saúde recomenda que a porcentagem de cesáreas seja de 15%, no Brasil essa taxa chega a 85%. Embora os riscos de tal cirurgia sejam muito maiores do que os apresentados no parto, tanto para mãe quanto para o bebê. O parto não é compreendido como um evento natural fisiológico e a gestante é comumente tratada como “uma louca cheia de hormônios que não sabe o que está dizendo”, um clássico do diagnóstico da histeria que associa o corpo e a mente da mulher a um ambiente hostil e irracional.

Pense: É coincidência que as profissões ligadas ao parto humano e domiciliar sejam majoritariamente femininas? Quando se unem gestantes, parteiras e doulas está ali formado um ambiente de protagonismo da mulher. Um ambiente de força e união que não se baseia em mitos e não permite que se instale ali a opressão machista que insiste no controle do corpo da mulher em todos os aspectos: Desde a determinação do que é correto em nossa sexualidade até a invasão ao nosso físico.

Não é exagerado comparar essa resistência moderna ao conhecimento feminino com a caça as bruxas medieval. As áreas de conhecimento dominadas pelas mulheres estão sendo desconsideradas e marginalizadas, jogadas para fora do que determinaram que seria chamado de “ciência”. A proibição parto em casa e da ocupação de Doula demonstram como a medicina moderna está assustada com a possibilidade desse processo de humanização da ciência, no qual se preza por uma visão mais universal do corpo (considerando aspectos psicológicos, a possibilidade de somatização, entre outros pontos).

A resistência a essa medicina controladora continuará sendo demonstrado por nós diariamente. Nós não queremos ser dominadas por esse Conselho que age incutindo medo e falta de autoconfiança em nós. Cada mulher conhece o seu corpo e, com a ajuda dos que acreditam em sua capacidade, é capaz de exercer sua autonomia com segurança e de forma plenamente saudável.

2 comentários:

  1. Nossa, achei fantástica a analogia com a caça às bruxas. Não tinha pensado por esse ângulo.

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  2. Paula, te amo!

    Seus textos são lindos, emocionantes e maravilhosos!

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