quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A invisibilidade lésbica e a invisibilidade da violência

A redatora do sexista e heteronormativo comercial da Marisa declarou (e depois pediu que desconsiderássemos) que ele se dirige às mulheres heterossexuais porque estas são maioria.

Além de ser uma peça terrivelmente preconceituosa em diversos aspectos, reflete um comportamento muito comum e naturalizado: agir como se mulheres não-heterossexuais não existissem. Isto ocorre em todas as esferas, inclusive em meios e mídias “gays” ou alternativos: o gay socialmente visível é o homem homossexual (e branco, jovem e de classe média).

A sexualidade das mulheres que não são heterossexuais é constantemente diminuída (mais ainda que a das mulheres heterossexuais): enquanto o homem gay “não tem salvação”, a mulher lésbica ou bissexual “ainda não encontrou um homem de verdade”, “tá tentando chamar atenção” ou “está só experimentando”. Ou, claro, “queria ser um homem”.
A nossa tão (machistamente) falada ausência de desejo sexual torna o sexo lésbico sem sentido: por que outro motivo uma mulher faria sexo, se não para agradar um homem? Como pode ser prazeroso o sexo entre duas mulheres se “falta alguma coisa”? Só podemos nos interessar por outras mulheres se tivermos tido algum “trauma com homens”, é o que nos dizem; por nenhum outro motivo abriríamos mão do privilégio da heterossexualidade.

Podemos, é claro, fingir que abrimos mão: existe, afinal, algo mais fetichizado do que o sexo lésbico? Uma fantasia mais comum do que aquela em que o homem vê duas mulheres juntas, resolve interferir e só então a experiência fica completa? A ideia de que duas mulheres juntas são um óbvio convite a um ménage à trois é, além de desrespeitosa, cansativa. E é a “menor” das violências a que estamos sujeitas: numa busca rápida no Google, encontramos inúmeros casos de lésbicas, muitas vezes casais, agredidas na rua ou dentro de casa, por desconhecidos ou pelos próprios familiares.
8ª ação lésbica de Brasília.
Tal obsessão heteronormativa chega a extremos: não são raros os casos de estupro corretivo de mulheres lésbicas e bissexuais que pretendem, como o nome diz (porque quem denomina tal prática são seus praticantes e “apoiadores”), corrigir a orientação sexual dessas mulheres, mostrar a elas o que é certo em termos de práticas sexuais e ensiná-las a não mais errar – e até tais casos de abuso e violência são invizibilizados.

Hoje, 29/08, é o Dia da Visibilidade Lésbica. Dia de lembrar, pra que não nos esqueçamos em todos os outros, que o silêncio reforça, alimenta e estimula o preconceito. Que não devemos nos deixar calar e nos fazer invisíveis. 

4 comentários:

  1. Nunca sofri trauma com homens, pelo menos não com algum importante na minha vida.
    O único namorado que tive foi a pessoa mais doce na minha vida, que sempre me apoiou no meu amor pelas mulheres e sempre foi extremamente feminista.
    Infelizmente, além do preconceito contra todos os homossexuais, as lésbicas são ainda mais esquecidas e recriminadas.
    É muito comum ver um homem gay retratado numa novela (ainda que de forma humorizada) do que uma mulher, por exemplo.
    Além dessa história de que o sexo lésbico é incompleto, de que falta alguma coisa, quando na verdade uma mulher conhece o corpo da outra como ninguém.
    Hoje, como nos outros dias mas de forma mais forte, acordei com a intenção de abrir os olhos das pessoas que me rodeiam. Botei meu arco-íris no punho e no coração.

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  2. Falta alguma coisa. Falta sim: falta você parar de achar que o sexo pra mim é a mesma coisa que pra você.

    Olha, morro de curiosidade. Nunca tive relação com mulher. Conheço várias bis e homos (todxs cis, acho), mas nunca rolou.

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  3. Sou bi e já ouvi muito que estou fazendo graça, que é só pra levantar bandeira... E pasmem, na época em que eu nunca havia me relacionado sexualmente com nenhuma mulher, eu ouvia que não podia saber se gostava ou não... Eu gosto de pessoas, e nem tudo está necessariamente relacionado a sexo!!

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  4. Sou lésbica e me sinto intimidada de demonstrar carinho com minha companheira em público. Eu tenho medo de ser expulsa do lugar que eu estou, tenho medo de pessoas desrespeitarem eu e minha companheira. Morro de medo de acontecer alguma ameaça de ataque sexual ou mesmo o ataque, ainda mais depois daquela notícia de estupro corretivo que ocorreu no Alagoas.

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